terça-feira, 26 de junho de 2012

A Moção de Censura


              Ontem, com os calores a fazerem desaparecer em mim qualquer laivo de inspiração para escrever, fui pôr-me a ver, na 2, a deputança mais a governança, tudo a censurar e a contra-censurar e, como aliás esperava, pude assistir a todos aqueles chorrilhos de meias-mentiras, de meias-verdades, demagogias e parvoíce, vindas em catadupa dos dois lados (e também dos outros tristes do nem-sim-nem-não).

Do lado censurante ouviram-se as invectivas azedas e convictas do costume, do lado censurado umas demagogias, sempre apoiadas na tal pergunta a que os censurantes até hoje nunca responderam e ontem também não: "...mas o que queriam que se fizesse a escassas semanas de se ter de deixar de pagar ordenados e pensões?"
É que quando a palavra bancarrota deixa de ser uma palavra para se traduzir em caos e miséria imediata, da real, faminta, para milhões, não há palavra de ordem indignada ou ideológica que consiga responder; gritam-se, é certo, mas não respondem!

A coisa lá se finou como já se sabia e, provavelmente, não seria isso razão para não ser feita, mas convenhamos que gastar este direito democrático de censurar, quando o país está totalmente aluado em futebóis, é no mínimo, cretino, e por certo um tiro no pé.

A menos que o PCP tenha apostado mal no seu totobola político e estivesse convencido que o pessoal já estaria ontem numa ressacada depressão futebolística, mesmo a calhar para todos os azedumes...

sexta-feira, 22 de junho de 2012

O escritor morreu!


                          Foto J. M. Rodrigues in blog A Natureza do Mal
                 Foi um escritor reconhecido e famoso. Há anos chegou mesmo a ser falado para o Nobel, embora a coisa não tivesse tido pernas para andar.
O escritor sofria, no entanto, as mais diversas e insidiosas pressões, que às vezes chegavam quase a parecer ameaças, no sentido de simplificar a sua escrita.
Editores de toda a vida, jornais, revistas, as televisões com que colaborava eram unânimes: as pessoas já não sabiam ler; se o vocabulário saísse do comezinho mais básico, ninguém acabava a leitura, se as construções não fossem lineares, ninguém percebia e era um leitor / cliente que se perdia, a geração que tinha dividido as orações da Proposição dos Lusíadas, sem cábula, estava morta ou nas garras do Alzheimer, os tempos eram agora outros...
Aquilo chocou-o a princípio, mas depressa percebeu que era ceder ou morrer; de qualquer modo ele era um elo do processo de comunicação e se os receptores da sua escrita não estivessem sintonizados na sua onda… a ideia da comparação tinha sido do chefe de redacção da revista onde semanalmente ele publicava uma crónica e até lhe pareceu feliz. Simplificaria pois!
A tarefa foi afinal simples, fez como tantos outros que até vendiam milhões e as vendas, como as audiências, subiram em flecha.
Ele simplificava mais e mais, e cada vez era mais querido do seu cada vez mais imenso público. A sua escrita passou rapidamente para o nível de um tablóide, depois para o de jornal desportivo, por fim escrita infantil e então deu-se a catástrofe: o público já não entendia nada que passasse de trissílabos, depois qualquer construção de frase tornou-se impossível e ele passou a usar uns símbolos hieroglíficos e umas ilustrações para ajudar a compreensão dos seus livros e a balbuciar a meia dúzia de sons emocionais que o público televisivo ainda entendia.
Por fim, morreram os últimos leitores que ainda entendiam a linguagem escrita e o escritor deixou de escrever.
Morreu, dizem…