terça-feira, 12 de abril de 2011

A Colonoscopia

..................... Há muitos anos, talvez uns trinta, um amigo que ocupava um cargo de topo numa empresa lider, largou tudo e foi fazer uma ONG lá para África. Eu, que não lhe conhecia tendências humanitárias ou africanistas, estranhei, ao que ele me disse: -"não sejas parvo! isto das ong's é que está a dar!".
Só percebi uns anos depois, eu na cepa-torta e ele já rico e nas bocas do mundo e pelos melhores motivos.

Veio este intróito quase sem ponta por onde se lhe pegue apenas para, com um compasso de espera, refrear o vernáculo mais sombrio que me costuma assombrar a escrita em momentos como este, em que eu perco a minha habitual e pragmática calma, para dar lugar a algo raro que tentarei descrever como raiva, amargura, desalento, incredulidade, essa sensação de ver à venda na Feira da Ladra aquela peça que tinha dado para o peditório da paróquia. 
Mas nada disto descreve realmente o que me vai por dentro: eu estou mesmo é lixado (e claro que não é "lixado" que eu queria dizer)!

Aos políticos, há anos que tinha deixado de lhes ligar, farto dos logros sucessivos, convencido da inutilidade de lutas quixotescas contra um bem oleado sistema de políticas pessoais e mesquinhas, totalmente viradas para o enriquecimento de lobbies e boys partidários no saque ao aparelho do estado que, teoricamente, até era de todos nós. 
Então ele apareceu e eu voltei a acreditar!  Acreditei em palavras como honestidade, cidadania, isenção, voz para a multidão de deserdados que aumentava a cada dia e até lhe perdoei gaffes, inexperiências, contradições que me pareceram apenas expressão de singular ingenuidade. 
Até fiz 250km para ir votar nele, pela primeira vez em muitos anos a pensar que o meu voto em Fernando Nobre podia ser importante.
Afinal, a montanha da cidadania pariu um ratito político, cheio da peçonha da politiquice nacional; pretensamente independente, aceitou Nobre afinal o único envenenado lugar onde seguramente nada poderá afirmar, em nada poderá intervir, para além de dar palavra a deputados e contar votações. Passos Coelho  afinal, talvez não seja assim tão parvo...
Desapontado, desiludido, triste, atraiçoado no que me atrevi a sonhar, vou-me refreando para não escrever com a crueza que me apetece esta sensação de quem fez uma colonoscopia à bruta, sem anestesia nem vaselina e vou tendo como único paliativo a imaginação dos dias sem fim às voltas com o Regimento, os discursos, as moções, as comissões, os discursos, os discursos, os discursos ...
É muito bem feito, dr. Fernando Nobre!