terça-feira, 24 de janeiro de 2012

OS FILHOS-DA-PUTA*


        Um governo que se governa é um governo? 

Enquanto Portugal estrebucha e esperneia, feito barata tonta, à volta do facto da reforma presidencial dar ou não para os gastos lá da casa dele e se organiza em sarcásticos peditórios, petições, abaixo-assinados e outros inúteis fait-divers tão ao gosto nacional, as verdadeiras poucas-vergonhas passam-se  debaixo do nosso nariz, nas linhas chatas e enfadonhas do Diário da República que ninguém lê mas que é onde fica, preto no branco, o modo como somos “sacrificados” e também a maneira como o governo se vai governando sem vergonha, portaria a portaria, nuns vergonhosos golpes de rins de semântica a tentar que os vícios privados não sujem a alvura das públicas virtudes.

Eis como se rodeia essa chatice do corte dos subsídios de férias e Natal, lá para as bandas da Secretaria de Estado do Ensino Superior, (despacho nº774/2012 de 11 de Janeiro, D.R. 2ª série, nº14, de 19 Janeiro de 2012, nomeação de Helena Isabel Roque Mendes para funções naquela secretaria):
Parágrafo 3º - Nos meses de Junho e Novembro, para além da mensalidade referida no número anterior, será paga outra mensalidade de €1575.00 ( mil quinhentos e setenta e cinco euros) a título de abono suplementar.

* Este texto teve várias hipóteses de título, sem o recurso, sempre fácil e de que não gosto sobremaneira, ao vernáculo. Mas a enormidade do que vos relatei não me deixou outra hipótese, não há volta a dar (ou pelo menos não a achei) e fui-me lembrando do saudoso Alberto Pimenta e das suas ideias firmes  e divertidas sobre essa entidade magna, omnipresente e que até nos governa, ao que parece…. Fica um pedaço do texto de Pimenta:  

Estimados Compatriotas:

Acerca do filho-da-puta, como acerca de muitas outras coisas, correm neste país as mais variadas lendas. Há até quem seja de opinião de que o filho-da-puta a bem-dizer nunca existiu, dado que ele é apenas um modo de mal-dizer. Nada, porém, mais falso. É certo que o filho-da-puta às vezes não passa de um modo de dizer, mas não bastará a simples existência, particular e pública, de tão variados retratos seus, para arrumar com as dúvidas acerca da sua existência real? Pois quem teria imaginação suficiente para inventar tantas e tais variedades de filho-da-puta, caso ele não existisse?
Não! O filho-da-puta existe.”
(…)
Discurso sobre o filho-da-puta, Alberto Pimenta (Ed. Teorema), 1970.

Sem comentários: