segunda-feira, 13 de julho de 2009

Dido e Eneias

Aplausos!

Tempos houve em que os artistas viviam dos aplausos. Os que eram bem pagos chegavam mesmo a dizer que uma plateia de pé valia mais que mil cachets, o que era evidentemente um exagero mas que retratava essa relação sinérgica artista/público, ao mesmo tempo de encorajamento, reconhecimento e medida do trabalho apresentado.
Evidentemente que havia também que contar com a possibilidade de silêncio, assobios ou pateada, a mais terrível das provações em palco, nesses dias em que tudo parecia correr mal.

Era deste balancear que era feita a vida de quem fazia do palco a sua vida, fosse em música, dança, teatro ou qualquer outra intervenção performativa. Era o momento da verdade, independente da crítica profissional, o momento mágico em que o público que quis pagar o seu bilhete fazia a sua crítica, a única que realmente importava.

Porque este momento era realmente único para quem se apresentava e para quem se pronunciava, obedecia a um bem estabelecido código que transformava o momento do aplauso num diálogo estruturado e participante.

Numa coreografia perfeita em que todos sabiam o seu lugar e papel, havia as palmas, o primeiro e segundo agradecimentos, as palmas ritmadas a pedir “encore”, as distinções especiais das chamadas, o aplaudir de pé, os “bravo”, os assobios, a pateada, a saída com o artista em palco, etc. Tudo ficava dito, tudo era explicitado!

Infelizmente, há alguns anos, os aplausos passaram, eles próprios, a fazer parte de uma outra coreografia mais vasta e perfeitamente controlada pelas produções dos espectáculos veiculados pela soberana televisão, onde o público é pago como figurante do show e a quem são ordenadas a cada momento as reacções que serão vistas pelo telespectador, assim conduzido e enganado.

Esta suprema perversão da relação artista-público, para mais num meio que é, gostemos ou não, o grande educador de massas, tornou o comportamento do público, quando se desloca a espectáculos ao vivo, uma caricatura obscena de incoerência a raiar a insanidade. Agora aplaude-se sempre! Agora aplaude-se sempre de pé, por muito tempo, até o artista voltar para o “encore” já sabiamente reservado para o efeito.
Também se aplaude tudo o que acontece em palco, desde qualquer apresentação prévia, entrada de músicos, apagar das luzes, o fim de uma ária, de um andamento, um solo mais popular como se de uma jam session se tratasse, todas as vezes que o palco escurece a partir de uma hora depois do início, originando cenas verdadeiramente constrangedoras com o artista a debitar o resto da peça no meio dos aplausos frenéticos ou, como já vi, suprema delicadeza ou ironia, dar o espectáculo por terminado, quase meia hora antes do seu verdadeiro fim… para não envergonhar o público!

Vi há dias no largo do S. Carlos, integrado numa iniciativa de animação cultural das noites lisboetas, o Festival ao Largo, uma apresentação da ópera de Henry Purcell, Dido e Eneias, encenada por Carlos Avilez e interpretada por alunos do Atelier de ópera e do Coro de Câmara da Escola de Música do Conservatório Nacional, o Grupo de Bailados Canora Turba e elementos da Orquestra Sinfónica Portuguesa.
.
.............................. Foto de Ricardo Brito, publicada aqui
Não irei delongar-me em crítica operática, para a qual não tenho competência, mas deixo como nota que foi um espectáculo desigual e geralmente fraco.
Uma encenação à pressa que produziu um espectáculo de colagens estáticas, uma cenografia e um figurino dignos de festa de natal de escola secundária, um grupo de bailado displicente e com ar de estar a aviar farinheiras para despachar, os jovens cantores a evidenciarem uma inexperiência que nisto de canto lírico se paga muito caro, por fim o coro e músicos a excelente nível mas que não chega para salvar o que ali se viu.
.
O espectáculo era gratuito mas eu sou dos que não acho que o facto de algo ser dado desculpe questões de qualidade.
.
........................ Foto de Ricardo Brito, publicada aqui
À morte da Dido, preparava-me para um simples aplauso de circunstância, não se deve desencorajar quem está a dar os primeiros passos, ainda incertos, quando fui literalmente submerso por uma turba impelida por alguma invisível mola nos traseiros, a saltar em aplausos frenéticos, de pé um segundo após o final, gritando bravos e assobiando como num concerto de rock. Espantoso!
Fugi! Fugi profundamente envergonhado e humilhado por ter feito parte, mesmo por segundos, da turba anónima e entusiasmada.

Já vinha no Corpo Santo e ainda se ouviam os ecos da apoteose!
Luís Pontes

1 comentário:

al disse...

Também lá estive. É o que dá quando existe um público que não é especialista naquilo que está a observar.
Esperemos que, ao menos, tenha sido um incentivo para os que actuaram e agora estão a começar.