terça-feira, 25 de agosto de 2009

"...eles sabem o que fazem."

Vi há meses um filme biográfico sobre William Wilberforce, "Amazing Grace".
Apesar de tal não figurar no filme, recordou-me que o grande abolicionista inglês do sec. XVIII foi o primeiro a chamar as consciências para os factos do dia a dia, quando calculou o número de chicotadas incorporadas em cada quilo de açúcar que chegava às mesas inglesas, já branco, doce e inocente.

A notícia vinha num desses jornais gratuitos que nos enfiam nas mãos todas as manhãs:
"Segundo a revista Exame, o valor do património dos 25 portugueses mais ricos foi reduzido em 8,5%, mas ainda totaliza mais de 17,7 mil milhões de euros, o que equivale a 10,7% do PIB de 2008."
Mais adiante, fiquei a saber que o meu compatriota mais rico, um tal Sr. Amorim, apesar de estar a ficar aflitivamente pobre e estar por isso a ser objecto de cuidados desvelados do nosso querido governo, ainda vai tendo um pé-de-meia de 2.000 milhões, prá velhice, coitado...

.................................................................................................... (adaptado de "Cícero")
Eu não sou nenhum craque a matemática, nunca fui.
Mas ainda vou conseguindo fazer uma contita de dividir, à merceeiro, e lá dividi os euros dele pelos meus, que são só os do fim do mês, contados antes de desaparecerem, lá para o dia 10 e multiplicados pelos 14 meses do ano.
Deve haver uma maneira elaborada, à economista, de fazer esta conta, mas à minha maneira merceeira, dá que ao fim do ano, o tal compatriota sr. Amorim vale 200.000 eus!

Eu, que até sou grande e gordo, fiquei ali, no autocarro, muito, muito pequenino, a imaginar os estádios da Luz e do Dragão e Barnabéus, todos cheios a abarrotar de eus para juntar as posses do Amorim... ainda tentei pensar nalguma metáfora futebolística, mas em futebol é que eu não sou mesmo nada e o que surgiu, pois claro , foi a sublime e eterna Sophia:

As pessoas sensíveis

As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão."

Ó vendilhões do templo
Ó constructores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem.

Sophia de Mello Breyner Andresen- Livro Sexto, 1962

Luís Pontes

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