terça-feira, 9 de outubro de 2012

Ensopado de Ovelha Negra



             O gado ovino divide-se em duas sub-espécies: as ovelhas brancas, muito numerosas, e algumas ovelhas negras.
Além desta gritante diferença cromática e de representação na população ovina em geral, o facto é que nada mais as distingue, sendo que é sabido que as branquinhas, a que as crianças citadinas chamam fofas e “memés”, são imagens de doçura, ingenuidade e submissão.
Neste aspecto, é certo que ninguém acha fofa uma ovelha preta e elas próprias gostam de balir forte e grosso, chamam-se com orgulho “ovelhas negras” e, para melhor realçarem esta sua condição de ovelhas especiais e liderantes, até mantêm páginas interventivas e indignadas nalguma rede social, e amizade com outras ovelhas revolucionárias, negras, é claro.
Na verdade, como não se levam a sério balidos de ovelha, brancas ou pretas, quando chega a Páscoa, ninguém é capaz de distinguir se foi branco ou negro o borrego do ensopado.
  

terça-feira, 26 de junho de 2012

A Moção de Censura


              Ontem, com os calores a fazerem desaparecer em mim qualquer laivo de inspiração para escrever, fui pôr-me a ver, na 2, a deputança mais a governança, tudo a censurar e a contra-censurar e, como aliás esperava, pude assistir a todos aqueles chorrilhos de meias-mentiras, de meias-verdades, demagogias e parvoíce, vindas em catadupa dos dois lados (e também dos outros tristes do nem-sim-nem-não).

Do lado censurante ouviram-se as invectivas azedas e convictas do costume, do lado censurado umas demagogias, sempre apoiadas na tal pergunta a que os censurantes até hoje nunca responderam e ontem também não: "...mas o que queriam que se fizesse a escassas semanas de se ter de deixar de pagar ordenados e pensões?"
É que quando a palavra bancarrota deixa de ser uma palavra para se traduzir em caos e miséria imediata, da real, faminta, para milhões, não há palavra de ordem indignada ou ideológica que consiga responder; gritam-se, é certo, mas não respondem!

A coisa lá se finou como já se sabia e, provavelmente, não seria isso razão para não ser feita, mas convenhamos que gastar este direito democrático de censurar, quando o país está totalmente aluado em futebóis, é no mínimo, cretino, e por certo um tiro no pé.

A menos que o PCP tenha apostado mal no seu totobola político e estivesse convencido que o pessoal já estaria ontem numa ressacada depressão futebolística, mesmo a calhar para todos os azedumes...

sexta-feira, 22 de junho de 2012

O escritor morreu!


                          Foto J. M. Rodrigues in blog A Natureza do Mal
                 Foi um escritor reconhecido e famoso. Há anos chegou mesmo a ser falado para o Nobel, embora a coisa não tivesse tido pernas para andar.
O escritor sofria, no entanto, as mais diversas e insidiosas pressões, que às vezes chegavam quase a parecer ameaças, no sentido de simplificar a sua escrita.
Editores de toda a vida, jornais, revistas, as televisões com que colaborava eram unânimes: as pessoas já não sabiam ler; se o vocabulário saísse do comezinho mais básico, ninguém acabava a leitura, se as construções não fossem lineares, ninguém percebia e era um leitor / cliente que se perdia, a geração que tinha dividido as orações da Proposição dos Lusíadas, sem cábula, estava morta ou nas garras do Alzheimer, os tempos eram agora outros...
Aquilo chocou-o a princípio, mas depressa percebeu que era ceder ou morrer; de qualquer modo ele era um elo do processo de comunicação e se os receptores da sua escrita não estivessem sintonizados na sua onda… a ideia da comparação tinha sido do chefe de redacção da revista onde semanalmente ele publicava uma crónica e até lhe pareceu feliz. Simplificaria pois!
A tarefa foi afinal simples, fez como tantos outros que até vendiam milhões e as vendas, como as audiências, subiram em flecha.
Ele simplificava mais e mais, e cada vez era mais querido do seu cada vez mais imenso público. A sua escrita passou rapidamente para o nível de um tablóide, depois para o de jornal desportivo, por fim escrita infantil e então deu-se a catástrofe: o público já não entendia nada que passasse de trissílabos, depois qualquer construção de frase tornou-se impossível e ele passou a usar uns símbolos hieroglíficos e umas ilustrações para ajudar a compreensão dos seus livros e a balbuciar a meia dúzia de sons emocionais que o público televisivo ainda entendia.
Por fim, morreram os últimos leitores que ainda entendiam a linguagem escrita e o escritor deixou de escrever.
Morreu, dizem…


sexta-feira, 13 de abril de 2012

O PEEC está em marcha!


            O PEEC está em marcha!

Filho dilecto do velho PREC gonçalvista e otelista (pá), mas sem os malditos revisionismos que o mataram, e agora armado com esses maravilhosos gadjets da ubiquidade que são todos os i-qualquer coisa que permitem ser-se herói popular sem risco nem dor nas redes sociais e na blogoesfera, o PEEC (Processo E-revolucionário Em Curso) está vivo, de boa saúde e com pernas para andar.
.
Os e-revolucionários são muitos, milhões talvez, a avaliar pela proliferação de contas nos blogs e redes sociais, embora nunca possam votar em conformidade nas eleições, já que vivem na clandestinidade virtual.

Na verdade, qualquer e-revolucionário pode até ser anónimo. Mais que isso, pode até rebaptizar-se à vontade de freguês e com nome de herói proletário; já viram a emoção inebriante de chegar a casa, ao portátil, ao tablet ou até ao telemóvel 4G dos camaradas leitores e ser conhecido por Fidel, Che Guevara, Catarina Eufémia ou até Karl Marx?
.
O e-revolucionário do PEEC sonha vagamente com golpes de estado, como o Otelo e o bispo Januário, embora não saiba muito bem o que quer derrubar (para lá do governo que os portugueses se enganaram ao eleger, claro está) e muito menos o que virá a seguir a essa manhã gloriosa cheia de promessas e amanhãs que cantam e, secretamente, está muito contente por haver alguém a tentar salvar-lhe o coiro das desgraças da bancarrota.

Será que alguém do insigne grupo de" e-revolucionários" já imaginou o que vem a seguir a um golpe militar que derrube a democracia, que não será bem o mesmo que vem a seguir a um golpe que derruba uma ditadura, não é? Comités de bairro? O Poder popular? Um grupo anónimo de Anonymous? Conselho de Sábios? Um Homem Providencial?... (a menos, é claro, que imaginem que o estado e a democracia não são beliscados e os golpistas vêm cá fora só fazer uma "perninha" para derrubar o governo).

sexta-feira, 30 de março de 2012

A Democracia e o Sermão da Montanha




                   A democracia tem as costas largas e à conta de ser usada e invocada à boca cheia, seja para se queixar à TVI, aos gritos, que já está há duas horas na urgência, seja para imprecar contra a falta da pena de morte para o “rei gob” ( devia era ser capado, esfregado com mel e atirado às formigas, vivo!), seja na boca de gente que tem da democracia a ideia que é um direito democrático ignorar as escolhas democráticas em urna, quando os resultados não são a seu contento, o certo é que, hoje, a boa da democracia é sapato que serve em todo o pé.

A esquerda em particular, não sei se para atirar poeira para os olhos incautos, se por pura burrice ou amnésia ideológica, é a campeã proclamada da democracia, embora aquilo a que chamam democracia mais pareça um aleijão, tão aleijão que consegue, em nome da sua, também auto-proclamada superioridade moral, ignorar os princípios mais básicos, os fundamentos da própria democracia, o primado da maioria, a aceitação pela minoria da vontade expressa em urna, o princípio de uma pessoa, um voto, a representação sem votos de qualidade ou esclarecidos.
Excepto a social-democracia, de que infelizmente, não há representantes em Portugal, toda a demais esquerda provém de uma base ideológica para a qual a democracia parlamentar e eleições livres, ao impedirem o exercício do direito histórico de domínio de uma classe sobre todas as outras, são “farsas eleitorais burguesas”.
É esta esquerda malsã que, apoiada por um português e meio em cada dez, mais uma vez em nome da democracia, se acha no direito de pedir a queda do governo que o povo elegeu livremente e que continua a apoiar,  dizem as sondagens,   apesar das medidas que o castigam.
Ai da democracia, quando assim manobrada pela vontade “iluminada” de tais intérpretes!
E, porque a analogia é por demais evidente, não posso deixar de pensar nesse texto fundamental e “maldito” do cristianismo, aquilo a que hoje se poderia chamar “Cristianismo essencial, para Totós”, o célebre Sermão da Montanha (Mateus, cap.5-7).
 Este é, simultaneamente, uma súmula ideológica precisa, dita na primeira pessoa, pelo próprio fundador ( o próprio Deus, segundo a crença proclamada pelos seguidores), daquilo que deveria ser o cristianismo e também, por outro lado, a antítese daquilo em que esse mesmo cristianismo se tornou, até hoje.
Alguém, logo a seguir, tratou de pôr o cristianismo na “gaveta” (Santo Agostinho, S. Tomás de Aquino) e moldar a “maldita coisa” a seu jeito e foi para expurgar a Igreja dos “heréticos” seguidores do Sermão da Montanha que se fez a Santa Inquisição.
Do mesmo modo, ardem hoje nas fogueiras da santa inquisição do politicamente correcto, da “democracia” formatada à esquerda, todos aqueles que têm o supremo atrevimento de lembrar ao orgulho dessas elites intelectuais que se acham democratas e de esquerda e que odeiam esse cheirinho a povo rasteiro e ignorante que são os resultados eleitorais, que esse é o aroma da Democracia.


terça-feira, 24 de janeiro de 2012

OS FILHOS-DA-PUTA*


        Um governo que se governa é um governo? 

Enquanto Portugal estrebucha e esperneia, feito barata tonta, à volta do facto da reforma presidencial dar ou não para os gastos lá da casa dele e se organiza em sarcásticos peditórios, petições, abaixo-assinados e outros inúteis fait-divers tão ao gosto nacional, as verdadeiras poucas-vergonhas passam-se  debaixo do nosso nariz, nas linhas chatas e enfadonhas do Diário da República que ninguém lê mas que é onde fica, preto no branco, o modo como somos “sacrificados” e também a maneira como o governo se vai governando sem vergonha, portaria a portaria, nuns vergonhosos golpes de rins de semântica a tentar que os vícios privados não sujem a alvura das públicas virtudes.

Eis como se rodeia essa chatice do corte dos subsídios de férias e Natal, lá para as bandas da Secretaria de Estado do Ensino Superior, (despacho nº774/2012 de 11 de Janeiro, D.R. 2ª série, nº14, de 19 Janeiro de 2012, nomeação de Helena Isabel Roque Mendes para funções naquela secretaria):
Parágrafo 3º - Nos meses de Junho e Novembro, para além da mensalidade referida no número anterior, será paga outra mensalidade de €1575.00 ( mil quinhentos e setenta e cinco euros) a título de abono suplementar.

* Este texto teve várias hipóteses de título, sem o recurso, sempre fácil e de que não gosto sobremaneira, ao vernáculo. Mas a enormidade do que vos relatei não me deixou outra hipótese, não há volta a dar (ou pelo menos não a achei) e fui-me lembrando do saudoso Alberto Pimenta e das suas ideias firmes  e divertidas sobre essa entidade magna, omnipresente e que até nos governa, ao que parece…. Fica um pedaço do texto de Pimenta:  

Estimados Compatriotas:

Acerca do filho-da-puta, como acerca de muitas outras coisas, correm neste país as mais variadas lendas. Há até quem seja de opinião de que o filho-da-puta a bem-dizer nunca existiu, dado que ele é apenas um modo de mal-dizer. Nada, porém, mais falso. É certo que o filho-da-puta às vezes não passa de um modo de dizer, mas não bastará a simples existência, particular e pública, de tão variados retratos seus, para arrumar com as dúvidas acerca da sua existência real? Pois quem teria imaginação suficiente para inventar tantas e tais variedades de filho-da-puta, caso ele não existisse?
Não! O filho-da-puta existe.”
(…)
Discurso sobre o filho-da-puta, Alberto Pimenta (Ed. Teorema), 1970.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

GREVE GERAL? ...SEJA O QUE ZEUS QUISER!

              Uma greve geral, instrumento final de insurreição de povos oprimidos contra ditaduras, é em Democracia,  uma aberração que, não apresentando nenhum dos pressupostos e objectivos da greve laboral constitucionalmente prevista e direito sagrado de quem trabalha, apenas serve como forma de "manifestação compulsiva", o modo como os dois partidos que representam 13% dos portugueses, através da seu anti-democrático controlo dos sindicatos dos transportes públicos, obrigam os outros 87% de portugueses a enfileirar numa “manifestação” a que nunca iriam, como demonstraram ainda há 5 meses, ao escolherem esta via em que estamos e não a via dos tais 13%.

As escolhas feitas em Democracia, sagradas para quem teve a sorte de ter tido uma formação democrática séria e serena, parecem não beliscar sequer a raiva dos  "democratas-novas-oportunidades" ou “democratas-directos” em que a maioria se formou no tempo do PREC.
Quando um democrata não gosta da escolha que o povo fez, tem o direito (e o dever perante a sua consciência) de manifestar o seu desacordo em voz tão alta quanto puder e lutar com as armas democráticas, que são a manifestação, a argumentação e persuação, para inverter os próximos resultados democraticamente sérios, os das urnas.
E não, não temos o direito de fazer, em Democracia, uma greve geral!

Apesar de ter a boca sempre cheia de chavões democráticos, a esquerda portuguesa, nomeadamente os partidos “profissionais” de oposição, têm demonstrado desde os tempos em que foram sacudidos do assalto a Portugal, nos tempos do PREC, uma preocupante falta de cultura democrática, bem documentada sempre que, após receberem nas urnas o aval de menos de 8 em cada 100 portugueses, arranjam um ajuntamento de 50.000 nas ruas ou numa festa para então poderem gritar bem alto: “Assim se vê, a força do PC!”, que 50 mil parece tanta gente, não é?
Quase que enchiam um estádio para um Benfica – Porto!

Claro que não se pode esperar mais cultura democrática de um país que ainda há pouco tinha na sua Constituição a indicação do que devia ser o sentido de voto dos portugueses…
É talvez a maldição do Sul: entre a elevação civilizacional e cidadania dos irlandeses e o caos irresponsável dos gregos, escolhemos o “modelo” grego e seja o que Zeus quiser!
Alguém há-de pagar um dia os 300 milhões de euros que Portugal, hoje, deitou pela borda fora (gente rica é outra coisa!).
Paz à nossa alma, que com democratas assim mais nada deve sobrar!