Foto J. M. Rodrigues in blog A Natureza do Mal
Foi um
escritor reconhecido e famoso. Há anos chegou mesmo a ser falado para o Nobel,
embora a coisa não tivesse tido pernas para andar.
O escritor sofria, no entanto, as mais diversas e
insidiosas pressões, que às vezes chegavam quase a parecer ameaças, no sentido
de simplificar a sua escrita.
Editores de toda a vida, jornais, revistas, as televisões com
que colaborava eram unânimes: as pessoas já não sabiam ler; se o vocabulário
saísse do comezinho mais básico, ninguém acabava a leitura, se as construções
não fossem lineares, ninguém percebia e era um leitor / cliente que se perdia,
a geração que tinha dividido as orações da Proposição dos Lusíadas, sem cábula,
estava morta ou nas garras do Alzheimer, os tempos eram agora outros...
Aquilo chocou-o a princípio, mas depressa percebeu que era
ceder ou morrer; de qualquer modo ele era um elo do processo de comunicação e
se os receptores da sua escrita não estivessem sintonizados na sua onda… a
ideia da comparação tinha sido do chefe de redacção da revista onde
semanalmente ele publicava uma crónica e até lhe pareceu feliz. Simplificaria
pois!
A tarefa foi afinal simples, fez como tantos outros que
até vendiam milhões e as vendas, como as audiências, subiram em flecha.
Ele simplificava mais e mais, e cada vez era mais querido
do seu cada vez mais imenso público. A sua escrita passou rapidamente para o
nível de um tablóide, depois para o de jornal desportivo, por fim escrita
infantil e então deu-se a catástrofe: o público já não entendia nada que passasse
de trissílabos, depois qualquer construção de frase tornou-se impossível e ele
passou a usar uns símbolos hieroglíficos e umas ilustrações para ajudar a
compreensão dos seus livros e a balbuciar a meia dúzia de sons emocionais que o
público televisivo ainda entendia.
Por fim, morreram os últimos leitores que ainda entendiam
a linguagem escrita e o escritor deixou de escrever.
Morreu, dizem…
1 comentário:
Muito negro mas plausível.
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