terça-feira, 4 de outubro de 2011

Media / mídia e Defenestração


               A  palavra latina media lê-se "média"!

A letra "e" não tem outra maneira de ser lida em latim. Significa “meios” e deu origem a muitas palavras portuguesas como mediastino ou mediador.
Como tantas outras expressões latinas que se usam para enfatizar ou por falta de palavras, na língua viva, que expressem exactamente um determinado significado, mantêm-se ditas em latim.
É por isso que se diz ipso factus, et caetera, stricto sensu, in loco, ipsis verbis e tantas, tantas outras.

Os anglo-saxónicos em geral e os norte-americanos em especial, talvez por usarem a língua que é cada vez mais a universal, têm uma proverbial dificuldade com as línguas estrangeiras, dispensando-se olimpicamente de tomar conhecimento das regras linguísticas que regulam as palavras que adoptam de outras línguas, lendo-as como se de uma palavra anglo-saxónica se tratasse.
É esta confrangedora e arrogante burrice que fez os americanos leram media à sua maneira, ou seja pronunciando “mídia” e rapidamente esquecendo que era a própria palavra latina e não uma sua que estavam a usar!

Ora, a burrice dos poderosos é, por norma e definição, uma burrice poderosa e desempenhando o seu papel de potência regional dominante no continente americano, rapidamente impôs a sua burra forma de dizer a um “colonizado” Brasil, sempre demasiado ávido de copiar acefalamente o que vem do todo-poderoso vizinho do Norte e passou então também, alegremente, não só a dizer como a grafar esse desavergonhado e burro neologismo/estrangeirismo “mídia”.

Quem conhece o “português do Brasil”, in loco, não o dos livros e dos círculos cultos mas o autêntico, aquele verdadeiro e riquíssimo crioulo que os brasileiros usam para falar entre eles, na rua, sabe que a lusofonia é uma piedosa ficção, quiçá o último resquício do Império da nossa memória.
O Brasil, como todos os países novos e resultado de enorme e miscigenado caldo cultural, tem uma evolução linguística rápida e alucinante que é necessário saber respeitar e tentar compreender mas, evidentemente, que é suicídio cultural tentar copiar.

Mas Portugal tem esse eterno gosto masoquista de confundir evolução com normalização, aprendizagem com cópia cega, cooperação com subserviência, seguidismo com modernidade.
E modernidade passou a ser ler uma palavra latina à inglesa e grafá-la à brasileira!
Não se pense, no entanto que este foi um reflexo popular da colonização telenovelística, igual a tantos outros! Não! Mídia foi palavra que passou a ser empregue pela fina-flor da inteligentsia deste país: ministros, deputados, jornalistas, até o professor de Direito (portanto com a cadeira de latim no currículo académico) Marcelo Rebelo de Sousa a empregou assim bem dita para que não houvesse dúvidas, MÍ-DI-A!!!

Às vezes penso se não serei eu, que até uso muitos estrangeirismos (mas grafados em itálico), que estarei a ser Velho do Restelo, saudosista contra-corrente, como é próprio dos velhos.

Mas não!

Do fundo do tempo da minha adolescência chega-me a voz da notável mestra do Português, Maria Virgínia Capelo que entre detestadas declinações e análises gramaticais e semânticas dizia “as línguas mortas estão mortas, não se mexem mais: por isso são o nosso padrão”.

Direi em Português “até que a voz me doa”, escreverei na minha língua até o discernimento me permitir, correndo até o risco de me tornar ininteligível no meio destas alegres patetices que a ignorância vai achando “cool”, neste país que vai “recepcionando” em vez de receber,”vivenciando” em vez de viver, “gerenciando” em vez de gerir, “experienciando” e vez de experimentar, “acessando” em vez de aceder, enquanto mais alto, por uns tostões editoriais inconfessados e inconfessáveis, os verdadeiros traidores vendem com a força da Lei, aquilo que é o mais profundo elo identitário de uma nação: a sua língua!
Se relembrarmos a língua como Mátria, esse conceito tão querido à saudosa Natália, vender a nossa língua é mais que traição: é vender a própria mãe!

Por bem menos que isto voou há anos o traidor Miguel de Vasconcelos, que hoje até nem seria traidor nenhum, num episódio que teve o condão de me ensinar para sempre o significado, em português, dessa curiosa palavra que é “Defenestração”.

Luís Pontes